Tive a grande oportunidade de trabalhar em uma tradicional livraria de Santos entre os 13 e 17 anos, ou seja, de 1969 a 1972. Santos era considerada área de segurança nacional, possuía o então maior porto do mundo e era – era! - uma das cidades mais avançadas e politizadas do país. Hoje, está destruída intelectualmente.
Uma das minhas tarefas, entre outras, era abrir a livraria, de segunda a segunda, às seis horas da manhã para receber os jornais e revistas que eram entregues pelas distribuidoras logo cedo e organizá-los nas prateleiras. O movimento maior era aos finais de semana, quando vinham os turistas de Sampa, então eu lia muito. Todos os jornais do dia e os best-sellers da época. Mas tinha, também, as frequentes visitas da Polícia Federal, recolhendo jornais, revistas e livros censurados pela ditadura. O bom é que passavam só depois que eu já tinha feito minhas leituras.
Vou contar um dos casos mais emblemáticos que presenciei. Nós recebíamos semanalmente três exemplares de uma revista francesa chamada L'Express. Meu patrão, um letrado português, era fluente em francês e a ordem era guardar um dos exemplares da revista no seu escritório da livraria assim que fosse recebida.
A livraria tinha como cliente um militar de alta patente e sua família que residiam no bairro, amigos e vizinhos do meu patrão. O militar sumiu. A família, desesperada, não conseguia nenhuma notícia sobre seu paradeiro. Depois de semanas sem notícias, chega a PF na livraria recolhendo a tal revista: "consta no romaneio que vocês receberam três exemplares, aqui só tem dois", "foi vendido", disse o patrão. Foram embora e o português correu para o escritório, curioso para saber qual era o motivo da censura. Havia uma pequena reportagem, na revista francesa, narrando que seu amigo e vizinho militar havia sido atirado no Oceano Atlântico de um avião da Força Aérea Brasileira. A família não sabia ainda.
Muito tempo depois soubemos todos que essa prática não era incomum.
(11/2022)
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